sábado, 27 de março de 2010

Do Seu Lado I

Todo mundo sonha com um grande amor. Até aqueles que se mostram céticos, guardam consigo um desejo secreto de se apaixonar perdidamente ao dobrar a próxima esquina.
Outros, forçam a coincidência. Tentam de todas as formas marcarem dia e hora para serem surpreendidos pelo destino.

Manoela era assim.
Fã dos romances, sempre sonhou em viver uma história como as do cinema - com direito a todos os exageros e clichês de um roteiro de comédia romântica. Ela sonhava com o dia em que encontraria seu grande amor.
Queria que fosse poético, romântico, cinematográfico e perdia horas de sono imaginando a cena, ensaiando suas falas, pensando em qual roupa vestir, como estaria o tempo naquele dia e todos os outros detalhes necessários para um filme perfeito.
Imaginava diversos cenários: igrejas, praias, fila do supermercado, restaurante, mas nenhum tomava conta de suas fantasias como o parque onde ela ia passar suas tardes sempre que não se sentia bem.
Seu sonho era ir ao parque, sentar no seu banco (Sim, "seu" banco. Era exclusivo. Só ela sentava ali, sempre), tirar seu caderno da bolsa, escrever nele suas fantasias e delírios apaixonados até ser surpreendida por um homem lindo, que se aproximasse dela e dividisse aquele que, até então era seu, e apenas seu, banco. E que ali, naquele momento, começasse um amor de verdade.

Motivada por esse desjo, Manoela ia todos os dias ao parque, com a sua melhor roupa e sempre trazendo o seu caderno na bolsa. Passava horas ali, imersa nos seus sonhos. Registrava tudo o que passava pela cabeça naqueles momentos. E, esperava. Sentia que poderia passar a vida inteira ali esperando, e sem saber o que esperar exatamente. Quando começava a anoitecer, ela levantava-se e deixava naquele banco uma parte de suas esperanças e ia embora para casa, sozinha, de novo. E assim Manoela seguiu. Dia após dia, lá estava ela no mesmo lugar, no mesmo banco, com os mesmos sonhos, esperando.
Até que ela cansou de esperar. Cansou de se submeter às vontades do destino.
Desacreditou no amor. Desacreditou nos sonhos.

E não voltou mais ao parque.

Manoela cresceu e nunca encontrou um amor. Namorou, sim, alguns garotos mas nenhum deles nunca teve ser coração por completo.

Até que ela cansou de desacreditar. Sua vida havia perdido o brilho, seu sorriso era mais vazio, o olhar era mais sério.

Precisava reviver aqueles momentos de anos atrás, precisava reaprender a sonhar e a querer amar. Precisava, uma vez mais, sentar-se naquele banco e sonhar, simplesmente.
"Com licença", disse Manoela ao rapaz que estava sentado no "seu" banco.

Ele escrevia freneticamente e nem olhou para o lado quando a ouviu chegar, apenas deixou seu corpo deslizar para o lado. E a moça se sentou.

Da bolsa, ela tirou um velho caderno, e dessa vez, não escrevia nada. Apenas lia os versos que escrevera há alguns anos.

O rapaz olhou-a pelo canto dos olhos e ao menor sinal de que poderia encontrar os olhos dela fazendo o mesmo movimento, voltava-se rapidamente para o seu caderno e fechava-se ali.

Até que foi inevitável. Os olhares se trombaram pelo caminho, e os dois, constrangidos, deram um sorriso discreto, como quem dizia "Desculpa, mas eu tive que te olhar".

Ele sentiu que seria capaz de fazer qualquer coisa se encontrasse aqueles olhos em seu caminho de novo, e então, tratou de manter-se concentrado no que escrevia e se esforçou para manter seu olhar longe do dela, por mais que sentisse uma vontade incontrolável de passar a vida inteira beijando aquela moça com os olhos.

Tarde demais.

Ele já havia sentido o efeito daquele olhar.
"Eu esperei tanto por você", disse ele já sem controle sobre o que saía de sua boca.
Naquele momento, Manoela podia ter certeza que seu coração tinha parado de bater por alguns segundos.
Quando sentiu novamente uma palpitação no peito, pôde expressar seu espanto, mas sua voz não saiu. Sua língua nem se moveu dentro da boca. Seus olhos falaram por ela.

"Ah, os olhos. Aqueles olhos de novo", o rapaz pensou que ela poderia fazer o que quisesse com aquele olhar sobre ele.
Viu-se ali como Bentinho frente aos olhos de ressaca de Capitu.

"Retórica dos namorados, dá-me uma comparação exata e poética para dizer o que foram aqueles olhos de Capitu. Não me acode imagem capaz de dizer, sem quebra da dignidade do estilo, o que eles foram e me fizeram. Olhos de ressaca? Vá, de ressaca. É o que me dá idéia daquela feição nova. Traziam não sei que fluido misterioso e enérgico, uma força que arrastava para dentro, como a vaga que se retira da praia, nos dias de ressaca." era tudo o que podia pensar naquele momento.
Era agora um personagem machadiano, e não era necessário uma análise psicológica profunda para dizer que ele amava aquela mulher.

O Dom Casmurro encontrou sua Capitu.

Sentiu que já não poderia fazer nada que não se entregar e dizer tudo o que precisava ser dito.


Continua.

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Perto de Você - O Teatro Mágico


@TuaniCarvalho