domingo, 12 de setembro de 2010

Coma


Eu sou uma mentirosa. Sou mesmo. Compulsiva.
Não dessas que mente por qualquer coisa ou para qualquer pessoa.
Me incluo na pior categoria de mentirosos: os que mentem para si mesmos. O tempo todo.

Sempre querendo tentar se convencer de algum sentimento, sempre prometendo fazer algo que tem certeza de que sequer chegará perto de ser feito, sempre tentando - sem sucesso - negar ser o que realmente se é.

Eu tendo a odiar personagens em filmes que sejam muito quadrados, sem graça. Aqueles que empatam a vida do protagonista dizendo o que ele deve ou não fazer. Aqueles sem sal, apáticos, apagados, coadjuvantes.
Bem, talvez seja porque eles realmente são chatos. Talvez porque eu seja exatamente igual a eles. Talvez as duas coisas.
A gente prefere negar essas características, mas no fundo - às vezes, nem no fundo, mas escancaradas mesmo - elas estão lá e não há disfarce que as faça sumir.

É uma tentação escrever "teimosa", "cabeça-dura", "perseverante", "corro atrás dos meus sonhos", "personalidade forte" em qualquer tipo de auto-descrição, mas, PORRA NENHUMA! Eu nem sei o que quer dizer isso de "personalidade forte", e o fato de eu não fazer ideia do que seja denuncia imediatamente que eu não tenho uma.
Eu sou preguiçosa, conformada, apática, desmotivada e com um sério problema de auto-confiança.
É essa a verdade. Mas numa entrevista de emprego, se eu começar com "preguiçosa", não preciso nem continuar a lista.
É mentira atrás de mentira pra tentar convencer a mim mesma e aos outros de que eu sou alguém que, na verdade, eu estou bem longe de ser.

O que vem me atormentando há uns dias é que eu acho que eu seja "motivada", "batalhadora", "perseverante"... mas, por dentro.
Não sei se consigo explicar, mas, os sentimentos e as vontades estão todas aqui. Elas só... não saem.
É como se existisse um outro "eu" aprisionado no meu corpo. Meu "eu" grita desesperadamente tentando sair, tentando fazer com que eu me mexa mas o corpo simplesmente não responde.
Deve ser algo parecido com um coma. Inconsciente, mas não morta, eu tenho ciência de tudo à minha volta mas meus olhos não abrem e o corpo permanece imóvel.
Está tudo aqui. Todos os planos, sonhos, desejos, pensamentos. Tudo. Tudo concentrado num "eu" radiante e... forte.
Tudo preso num corpo estático.

Parece que a dualidade é a minha sina.
Minha personalidade se divide em duas, completamente opostas e teoricamente incompatíveis, mas incrivelmente elas habitam esse mesmo corpo.
Dentro de mim existe uma Ellen Page.
Uma menina meio esquisita que vê mais beleza num cérebro mais desenvolvido do que num amontoado de músculos, que adora rock e canta no chuveiro. Que ama assistir Tarantino, Kubrick, Al Pacino sendo sensacionais. Que adora super-heróis e se encanta cada vez mais com histórias em quadrinhos.
Uma menina que ainda sonha em encontrar um amor de verdade e alguém que lhe diga coisas doces, escreva poesias, compartilhe os mesmos gostos e os mesmos sonhos.
Por fora, tudo o que se vê é uma... Ke$ha (?)
Que vai pra balada todo final de semana, de vestido curto e salto 15. Que fala palavrão a cada frase, enche a cara e beija uma boca desconhecida por noite só porque teve vontade. Que volta pra casa às 6h da manhã, toda desmontada e passa o domingo inteiro de ressaca tentando disfarçar. Que tem mais amigos que amigas, que só se relaciona com garotos que só se importam com o que tem debaixo do seu vestido e não saberiam responder quem é Tony Montana.

É.
Essa sou eu, prazer.
Não que eu seja falsa ou hipócrita, eu só não tenho controle sobre quem eu sou.
Eu sou as duas.
Seria muita cara de pau dizer que não gosto da vida que eu levo. Pelo contrário, eu adoro. Mas é estranho pensar que aqui dentro existe outra, que não faria nada disso, que não concorda com nada disso.
Talvez essas duas possam conviver pacificamente.
Talvez não.
Como encontrar o príncipe nerd que escreve poesias numa balada?
Como namorar um príncipe nerd que escreve poesias querendo sair pra balada?
Às vezes, uma anula a outra, e tudo fica mais confuso.
Eu não sei o que fazer. Não sei realmente quem eu sou, ou 'quem' é melhor pra mim.

O pior, é que as duas, juntas, estão condenadas à impotência e apatia de que eu falava no começo desse desabafo.
Preguiçosas e acomodadas, as duas estão aqui comigo às 4h da manhã escrevendo sobre essa crise existencial que nos aflige e sobre como nós somos fracassados por não termos nem o mínimo de força de vontade.
Exatamente agora, milhões de outras coisas poderiam - e deveriam - estar sendo feitas, mas eu invisto todo o meu tempo em escrever sobre como eu não faço as coisas que eu deveria estar fazendo enquanto escrevo sobre as coisas que CHEGA.

Enfim, isso fugiu completamente do propósito inicial, mas fica a dica: eu posso ser uma derrotada, toda errada, complicada e etc.. mas o que me salva de ser uma COMPLETA IDIOTA é que: EU SEI DISSO.
Eu reconheço o meu fracasso, os meus defeitos, os meus problemas. Não sei resolver, mas sei que tá errado e isso já é um começo. Eu acho.
Sei lá.
Não sei.
É, não sei. Surpreenderia se soubesse.